Os agrotóxicos são um problema? Desvendamos essa polêmica - Parte 1/2

Postado por Fernanda Werner em

Será que temos mais pragas que outros países? Por que o Brasil, então, lidera o ranking de uso de agrotóxicos? A resposta obviamente é não, a quantidade de pragas que temos no Brasil é normal em relação aos outros países, tirando a quantidade em Brasília. Mas os motivos para liderarmos esse ranking são vários, por isso, precisamos entender como chegamos até essa “vitória” e o que ganhamos com essa posição.

Para isso, precisamos voltar para 1975, quando o Plano Nacional de Desenvolvimento Agrícola (PNDA) foi criado, com o objetivo de financiar as indústrias de agroquímicos, usando como argumento o aumento na produtividade para acabar com o problema da fome no país. É claro que não foi o que aconteceu, visto que até 2020, 19 milhões de brasileiros passavam por situação de fome diária, segundo estudo realizado pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional.

Então, por que precisamos tanto deles?

É claro que as empresas desse setor querem nos manter dependentes dos aditivos químicos pelo máximo possível, mas a culpa não é só delas. O modo de plantio mais utilizado no Brasil, a monocultura extensiva, é muito suscetível a pragas, tanto pela falta de biodiversidade, que eliminaria naturalmente o invasor, como pela capacidade de especialização do parasita a só um tipo de planta, ficando cada vez mais resistente. Além disso, a entrada dos transgênicos também aumentou o uso de alguns defensores agrícolas, visto que muitas sementes são selecionadas para interagirem com esses produtos químicos a fim de entregarem a produtividade esperada.

Isso explica nossa dependência dos agroquímicos, mas não explica por que dos produtos mais consumidos pelos brasileiros, cerca de 91,8% das amostras possuem agroquímicos acima do permitido, segundo estudo realizado pela ANVISA em 2018.

Tá, mas e daí? Quem disse que faz mal?

Na verdade, a própria ANVISA disse nesse estudo que os efeitos causados pelo contato com agrotóxicos podem variar de agudos, como irritação na pele, dificuldade de respirar e náuseas, a crônicos, como depressão, aborto, disfunção dos rins e até câncer. Apesar de polêmico, o desenvolvimento de câncer já está sendo aceito por vários juízes do mundo como consequência do contato intensivo com agrotóxicos. Em 2019, a Monsato foi condenada pela Justiça americana a pagar mais de 1 bilhão de reais a uma homem que teve câncer em 2014 devido ao uso de agroquímicos com glifosato produzido por tal empresa. 

Na União Europeia, o glufosinato e o ciproconazol já foram classificados como prejudiciais para o feto, à fertilidade e à função sexual. Mas além de fazer mal para nós, estudos internacionais vêm comprovando o impacto causado à fauna das regiões de lavoura. Um deles, divulgado na revista Nature, analisou os efeitos de dois inseticidas usados no Brasil em aves que se alimentam de sementes. Os tico-ticos de coroa branca (Zonotrichia leucophrys) apresentaram sinais de envenenamento, perda de massa corporal e desorientação durante os voos migratórios. Outro relatório divulgado pela Autoridade Europeia para Segurança Alimentar (EFSA) concluiu que os neonicotinoide (agrotóxicos derivados da nicotina) representam risco para todas as espécies de abelhas, podendo causar desorientação e perda de memória, impedindo a abelha de retornar à colmeia. 

Em 2015, a Agência Internacional para Pesquisa sobre Câncer (Iarc), parte da Organização Mundial de Saúde (OMS), concluiu com base em centenas de pesquisas que o glifosato era "provavelmente cancerígeno" para humanos.

E quem fiscaliza esses componentes na nossa comida?

A ANVISA de novo, eles definem um valor para o chamado de Limite Máximo de Resíduos (LMR) que pode existir de cada agrotóxico nos alimentos. Segundo o relatório da ANVISA de 2019, mais de 23% dos alimentos testados tinham substâncias proibidas ou acima do LMR.

Se isso já não fosse bem preocupante, para Luiz Claudio Meirelles, da Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz, ainda há bastante diferença entre a ciência acadêmica e a ciência regulatória das agências que segue uma série de protocolos estabelecidos em lei para qualificar novos estudos. Cada instituição serve para um objetivo diferente, a OMS para proteção da saúde, e a ANVISA e outras agências para fins mais econômicos.

Por isso, com tantos setores e interesses envolvidos na questão do agrotóxico, fica difícil escalar o debate para o nível político, mas cabe a todos nós consumidores exercermos nosso dever de fiscalizar políticas que liberem mais ou novos agrotóxicos proibidas em outros países. 

Se você achou esse conteúdo de valor, confira a parte 2, onde vamos analisar como o resto do mundo está lidando com os agentes químicos na agricultura e quais soluções existem para acabarmos com os danos causados à saúde.


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1 comentário

  • Muito bom o texto. Contudo, da mesma forma que podemos entender que pragas e doenças são “sintomas” e que é preciso eliminar a causa, que geralmente passa pelo desequilíbrio nutricional da planta, assim podemos inferir que os agrotóxicos são “sintomas” e a verdadeira “causa” está no mau uso dos adubos químicos solúveis, os quais podem sensibilizar as plantas ao ataque de pragas e doenças, haja vista a grande similaridade de seus componentes bioquímicos.

    Hernandes Werner em

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